Os avanços da medicina intensiva nos últimos anos vêm permitindo uma maior sobrevida aos pacientes, no entanto, muitos “sobreviventes” da UTI não voltam para casa e não conseguem recuperar seus estados de funcionalidade no pós-UTI e, em muitos casos esses pacientes podem necessitar de clínicas de reabilitação, cuidados de internação domiciliar e muitas vezes, não conseguem retornar a uma significativa qualidade de vida. Um número cada vez maior de pacientes que sobrevivem à UTI sofre de distúrbios funcionais prolongados e graves.1
O momento adequado da terapia nutricional, quantidades calóricas e proteicas podem variar ao longo das diferentes fases da doença crítica e necessitam de atenção individualizada, levando-se em consideração o metabolismo da doença na fase aguda, na fase de recuperação e as perdas nitrogenadas de cada fase. A terapia nutricional é essencial, uma vez que as associações entre a nutrição e os melhores resultados têm sido relatados na literatura. 1,2
É importante ressaltar que todo paciente grave que permanece por mais de 48 horas na UTI deve ser considerado em risco de desnutrição e deve passar por uma triagem nutricional. Dentre as ferramentas de triagem nutricional mais utilizadas, estão NRS 2002 e MUST, que não foram projetadas especificamente para pacientes críticos, mas têm sido bastante utilizadas. O escore de NUTRIC é uma ferramenta de avaliação de risco em pacientes graves baseada em dados de idade, gravidade da doença refletida pelo APACHE II e SOFA, comorbidades, dias no hospital prévios à internação na UTI, incluindo ou não inflamação avaliada pelo nível da interleucina-6. Uma limitação importante do NUTRIC é que não há parâmetros nutricionais incluídos na pontuação, o que pode ser um limitante para avaliar o risco nutricional. Observa-se, portanto, que entre todas as ferramentas de triagem, NRS 2002 e MUST parecem ter o maior poder preditivo com relação à mortalidade, sendo as mais fáceis e rápidas de calcular. 3
Enquanto aguardamos uma ferramenta de triagem validada, um procedimento pragmático de abordagem deve ser considerado para pacientes em risco, como àqueles que permanecem na UTI > 2 dias, sob a ventilação mecânica, infectados, recebendo pouca nutrição > 5 dias e / ou apresentando comorbidades graves. 2
Com relação à intervenção nutricional, em pacientes onde a via oral não é possível, recomenda-se a nutrição enteral precoce (NEP), sendo superior à nutrição enteral tardia (NET) e à nutrição parenteral precoce (NP). O momento ideal de início da nutrição em pacientes instáveis é uma questão em debate, no entanto, a NE pode e deve ser iniciada após a primeira fase de estabilização hemodinâmica, não sendo necessário que os vasopressores sejam suspensos. 1,2
Com base em conhecimentos fisiopatológicos do metabolismo, sabemos que a fase inicial da doença crítica é caracterizada por inflamação, aumento do gasto energético, resistência à insulina e uma resposta catabólica, que leva à geração de energia a partir de fontes como: glicogênio hepático (glicose), gordura (ácidos graxos livres) e massa muscular (aminoácidos). A nutrição de pacientes na UTI é essencialmente diferente se comparada à nutrição em indivíduos saudáveis. É sempre importante ressaltar que a produção de energia endógena na fase aguda não pode ser abolida pela oferta exógena de nutrientes e, portanto, um aumento progressivo da oferta de nutrientes ao longo dos dias é recomendado para evitar superalimentação.
Zusman e Weijs sugerem que a ingestão de 70% a 80% do gasto calórico medido por calorimetria é o ideal nas fases iniciais da doença grave e, a oferta calórica na UTI guarda relações em uma curva gráfica em forma de U (“U shape curve”), indicando maior mortalidade se houver ofertas muito hipocalóricas ou muito hipercalóricas. 5,6
Os dados disponíveis na literatura atual sugerem que a superalimentação precoce deve ser evitada e, que a alimentação hipocalórica ou normocalórica não conferem grandes diferenças no resultado quando a ingestão proteica é semelhante. A ingestão calórica precoce agressiva leva a mais episódios de hiperglicemia e necessidade de insulinoterapia em altas doses. Diretrizes de sociedades nacionais e internacionais têm feito recomendações quanto à oferta de calorias e proteínas na doença grave, conforme tabela 1.
Por que as proteínas são importantes durante a doença crítica?
Melhores resultados têm sido observados, dependendo da massa muscular dos pacientes à admissão na UTI, uma vez que esta é a fonte endógena predominante de aminoácidos.¹ Além disso, a resposta catabólica pode levar a reduções na massa muscular de até 1 kg/dia durante os primeiros 10 dias de internação na UTI em pacientes com síndrome da disfunção multiorgânica (MODS – multiorgan disfuntion syndrome). 9
As diretrizes em geral recomendam oferta proteica superior a 1,2g/Kg/dia que deve ser ajustada de acordo com fase da doença e composição corporal do paciente. Uma abordagem progressiva para atingir as metas de proteína durante a doença crítica é proposta para melhorar a tolerância metabólica e seus desfechos. Essa abordagem é baseada na otimização da NE como um primeiro passo. No entanto, é um desafio atingir as metas de proteína sem superalimentação. A maioria das formulações de nutrição enteral e parenteral têm uma baixa proporção de proteína/energia e, portanto, escolher fórmulas pelo seu conteúdo proteico ou utilizar suplementos de proteína parecem ser as formas mais adequadas de alcançar a meta proteica sem correr o risco de superalimentação calórica (ver tabela 2). 1
Com relação à via de acesso para oferta de nutrição, a via gástrica deve ser a preferência para o início da nutrição enteral. Em pacientes com intolerância à alimentação gástrica não resolvida com agentes procinéticos, deve ser utilizada a alimentação pós-pilórica e, em caso de alto risco de aspiração, a alimentação jejunal pode ser indicada. 2
O início precoce da nutrição parenteral suplementar (NPS), antes dos 3 e até os 7 dias de internação não é recomendado com base em meta-análises e diretrizes recentes.2 Em pacientes com alto risco nutricional e que não tenham condições de nutrição enteral, a indicação de NP precoce deve ser considerada. O papel do uso precoce da NPS em pacientes desnutridos ou com baixo IMC para melhorar os resultados funcionais requer comprovação científica. 2,7,8
Monitorização da terapia nutricional
Observação clínica, parâmetros laboratoriais incluindo glicemia, eletrólitos, triglicerídeos, provas de função hepática, monitoramento do gasto energético e composição corporal são essenciais para prevenir e detectar complicações relacionadas à nutrição. 2,7,8
Uma importante complicação a ser considerada e monitorizada é a síndrome de realimentação, que se refere à bioquímica, aos sintomas clínicos e às anormalidades metabólicas em pacientes desnutridos submetidos à realimentação, induzidos por alimentação oral, enteral ou parenteral. A síndrome é caracterizada por baixas concentrações séricas de íons predominantemente intracelulares, como o fosfato, o magnésio e o potássio, além de anormalidades no metabolismo da glicose, incluindo a deficiência de tiamina e alterações no balanço de sódio e água. A síndrome de realimentação é associada à alta morbimortalidade. 10
Qualquer pessoa com ingestão reduzida de nutrição por mais de 5 dias ou em desnutridos pode desenvolver dificuldades associadas à realimentação. Recomenda-se, portanto, que a alimentação deve ser iniciada em no máximo 50% das necessidades calóricas e que a progressão seja feita após as correções de alterações metabólicas e eletrolíticas.10
Em conclusão, precisamos considerar o metabolismo básico e compreender os mecanismos de agressão da doença grave e o metabolismo no jejum para empregar cuidados nutricionais direcionados aos nossos pacientes gravemente enfermos. A interação de alterações metabólicas agudas, a inflamação e a nutrição em doenças críticas precoces, é bastante complexa. Informações mais recentes sugerem que a progressão lenta de calorias e proteínas na fase inicial é essencial para evitar as complicações do excesso de alimentação e, após este período, na fase de 4 a 7 dias, a progressão da ingestão de proteínas e calorias suficientes é essencial para evitar mais perda de massa muscular, perda de função, além de melhorar a sobrevida e a qualidade de vida após a alta hospitalar.
Os avanços da medicina intensiva nos últimos anos vêm permitindo uma maior sobrevida aos pacientes, no entanto, muitos “sobreviventes” da UTI não voltam para casa e não conseguem recuperar seus estados de funcionalidade no pós-UTI e, em muitos casos esses pacientes podem necessitar de clínicas de reabilitação, cuidados de internação domiciliar e muitas vezes, não conseguem retornar a uma significativa qualidade de vida. Um número cada vez maior de pacientes que sobrevivem à UTI sofre de distúrbios funcionais prolongados e graves.¹
O momento adequado da terapia nutricional, quantidades calóricas e proteicas podem variar ao longo das diferentes fases da doença crítica e necessitam de atenção individualizada, levando-se em consideração o metabolismo da doença na fase aguda, na fase de recuperação e as perdas nitrogenadas de cada fase. A terapia nutricional é essencial, uma vez que as associações entre a nutrição e os melhores resultados têm sido relatados na literatura. Leia mais....
Faça o Login ou Cadastre-se para ver todos os conteúdos exclusivos