As Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs) têm alta prevalência em indivíduos jovens, sendo assim, problemas e dúvidas relacionados à reprodução surgem com frequência. Durante a gestação, a atividade da DII está relacionada ao abortamento, parto prematuro e baixo peso no nascimento. Pacientes com doença ativa que desejam engravidar devem ter ciência desses riscos, sendo ideal programar a gestação para um período de remissão. O aconselhamento pré-concepcional para as pessoas com Doença Inflamatória Intestinal (DII) é imprescindível para o gerenciamento da gravidez, incluindo uma discussão sobre questões de estilo de vida, nutrição e ganho de peso, atividade da doença, monitoramento do estado materno e fetal, bem como opções de manejo na doença em atividade.1-4
1. Doenças inflamatórias intestinais
As DIIs incluem a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a Doença de Crohn (DC), duas condições crônicas, imunomediadas, que cursam com períodos de crise e remissão e não têm tratamento curativo, sendo então necessário, o uso contínuo de medicamentos.5
A DC pode acometer qualquer parte do trato gastrintestinal de forma segmentar, assimétrica e transmural com intensidade variável, no entanto, frequentemente os segmentos do íleoterminal, cólon e região perianal são os mais acometidos. O quadro clínico vai depender da região comprometida e do fenótipo predominante da doença, que pode ser: inflamatório, estenosante ou penetrante. Já a RCU limita-se ao acometimento da camada mucosa do cólon exclusivamente, com característica simétrica e contínua. Os achados endoscópicos para DC incluem erosões, úlceras aftosas, úlceras profundas, serpiginosas e com mucosa ao redor geralmente poupada, além de fístulas e padrões de descontinuidade ou salteamento. Tipicamente, a RCU se caracteriza pelo padrão contínuo e difuso de acometimento, com úlceras rasas que se limitam à mucosa.6,7
O quadro clínico que leva à suspeita das DIIs não é homogêneo para todos os casos, podendo apresentar fatores gastrintestinais como dor abdominal, emagrecimento e diarreia, além de fatores extraintestinais como febre e artrites. Dessa forma, sua confirmação se dá por base de exame físico.7
Não existe uma causa conhecida, mas acredita-se que a DII resulte da exposição de um indivíduo geneticamente suscetível à fatores ambientais que influenciam a flora intestinal normal e desencadeiam em uma resposta inadequada do sistema imunológico. O processo inflamatório recorrente é resultado da conjugação de fatores relacionados ao conteúdo do canal alimentar (antígenos bacterianos e/ou alimentares e aumento na permeabilidade intestinal a esses produtos) e da alteração na resposta imunológica da mucosa, geneticamente determinada. A alteração genética modifica a barreira epitelial intestinal, influenciando nas respostas imunológicas e na composição da microbiota intestinal.8,9
2. A influência das DIIs sobre a fertilidade feminina
Não há evidências de que a DII em remissão afete a fertilidade, porém, a DC ativa pode reduzir a fertilidade, sendo aconselhável buscar primeiro por sua remissão. Não há dados que reportem os efeitos da medicação na ferti lidade feminina. Fato interessante a ressaltar, são os altos níveis de ausência voluntária de filhos entre mulheres com DII, indicando a necessidade de melhor educação sobre o assunto.2
O desafio de melhorar o atendimento à gestante com DII está na tomada de decisões compartilhadas, mas para isso, a informação deve ser acessível e segura, contando com a colaboração de profissionais da saúde e educadores para o compartilhamento de conhecimento.
3. Influência das DIIs sobre a gestação
As DIIs são doenças sem cura e cursam com períodos de remissão e atividade, portanto, o tratamento deve continuar em ambos os períodos. O uso das medicações durante a gestação causa, geralmente, mais preocupação à gestante do que à influência ou curso da doença em relação à segurança do desenvolvimento fetal. A gestante deve, então, sentir-se segura em relação ao curso da gravidez e da saúde do bebê, recebendo orientações sobre o uso das medicações na gestação e amamentação, o que impactará positivamente na sua adesão ao tratamento.10
A morbimortalidade neonatal, a ocorrência de malformações congênitas e a exacerbação da doença durante este período, são algumas das preocupações em relação às gestantes com a DII.10
A gravidez pode influenciar no curso da Doença Inflamatória Intestinal como um todo: quando a concepção ocorre com a doença em remissão, o risco de recidiva é o mesmo que em mulheres não grávidas, mas se a concepção ocorre em momento da doença ativa, o risco de atividade persistente aumenta durante a gravidez. Isso ressalta a importância de se advertir os pacientes de conceber em tempos de remissão. Parece que a gravidez diminui a incidência de recidiva durante os próximos 12 meses após o parto, a necessidade de cirurgias intestinais e o intervalo entre elas, quando se compara com nulíparas com DC, o que é atribuído às modulações hormonais sobre o sistema imune materno. As recidivas podem acontecer no puerpério possivelmente pela diminuição dos esteroides endógenos placentários, elevação da prolactina, que possui efeito pró-inflamatório, bem como o aumento de citocinas Th1 pró-inflamatórias (interleucina-12, fator de necrose tumoral-a, interferon-y), inibidas pelos elevados níveis de estrogênio da gravidez.2,3
4. Alimentação na DII durante a gestação
Não há recomendações nutricionais específicas para mulheres grávidas portadores de DII, além daquelas destinadas a uma população para controle ou situações específicas. Não havendo situação específica, como doença em atividade, ressecções intestinais, desnutrição, estomias, uso de determinadas medicações, entre outras, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a gravidez devem ser seguidas.2
Pacientes com DII podem apresentar deficiência na absorção de ácido fólico devido à atividade da doença e/ou ressecções intestinais, ou ainda, por usarem medicamentos que interferem em seu metabolismo (como a sulfassalazina e o metotrexto), assim, recomenda-se a suplementação de 5 mg de ácido fólico por dia.11

Alguns imunomoduladores se destacam no tratamento da Doença de Crohn, pois demonstram efeitos na melhora inflamatória e, por isso, podem trazer benefícios ao serem inseridos na dieta. São eles: arginina, glutamina, ácidos graxos, nucleotídeos, probióticos e prebióticos. Além disso, estudos mostram que proteínas de alto valor biológico, triglicerídeos de cadeia média (devido a melhor absorção) e citocinas anti-inflamatórias, como o TGF_-2, ajudam a reduzir a inflamação, reparar a mucosa intestinal e recuperar o estado nutricional.
4. Influência dos medicamentos sobre a mãe, feto e amamentação
A principal consideração ao abordar esta questão é enfatizar que o risco para a mãe e o feto é a doença ativa, não os medicamentos usados para tratá-la. Tendo em vista o risco aumentado para a mãe e para o feto em caso de reativação da doença durante a gestação, a maioria dos tratamentos deve ser mantida mesmo nos casos em remissão, pesando-se os riscos e benefícios. Para que um medicamento seja claramente associado a anomalias congênitas, tal anomalia deve ser vista repetidamente, e esse fenômeno não foi demonstrado com qualquer medicação para a DII, exceto metotrexato, contraindicado durante a gravidez e o aleitamento.1,12
Ao considerar a terapia de manutenção na gravidez, a monoterapia é a preferida. A continuação da terapia biológica na gravidez tem sido associada à redução de surtos, diminuição da atividade da doença e menor ocorrência de crises pós-parto, com menor incidência de resultados adversos da gravidez. Com relação aos agentes biológicos, vários estudos demonstraram que o tratamento com medicamentos anti-TNF não aumenta o risco de resultados adversos na gravidez. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Crohn contempla, desde 2017, o anti-TNF certolizumabe pegol, cujas experiências com seu uso durante a gravidez são mais limitadas do que com os também agentes anti-TNF, infliximabe e adalimumabe, mas os dados de experiências em animais e os primeiros dados clínicos não revelam um risco teratogênico aumentado em humanos. Para um resumo dos riscos dos medicamentos frequentes para a DII usados durante a gravidez e as atuais recomendações da European Crohn’s and Colitis Organisation - ECCO, consulte a Tabela 1,2,12
Uso das medicações durante a gravidez e lactação 2

6. Cirurgia na gestação
As indicações para cirurgia em gestantes com DII não diferem das mulheres não grávidas. Em pacientes gravemente enfermas, a doença continuada é um risco maior para o feto do que a intervenção cirúrgica. Com relação à escolha da via de parto, gestantes com doença perianal, bolsa ileoanal ou anastomose ileorretal têm indicação relativa pela cesariana, enquanto aquelas sem envolvimento perianal possivelmente podem optar por um parto vaginal normal.2,13
Conclusão
O acompanhamento multi profissional na DII é fundamental para o sucesso do tratamento, logo, na gravidez da paciente com DII será ainda mais importante a presença de outros profissionais experientes e, que mantenham suas condutas alinhadas. O obstetra deve trabalhar em conjunto com os especialistas que estão cuidando da paciente com DII, para que todos sigam com segurança o período pré-concepcional, a gestação, o parto e o pós-parto. O pediatra também deve estar envolvido nesse planejamento para que a gestante tenha segurança em relação à saúde do recém-nascido, principalmente com relação à imunização e amamentação.
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