O termo Doença Inflamatória Intestinal (DII) engloba doenças como a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a Doença de Crohn (DC). Caracterizam-se por serem recorrente e imunologicamente mediadas, cujo órgão alvo é o intestino e o evento principal é o processo inflamatório crônico.1
Apesar de serem doenças distintas, compartilham de aspectos clínicos e epidemiológicos, sugerindo a possibilidade de fatores etiológicos em comum.2
As principais diferenças entre a DC e a RCU são: 3,4
As DIIs cursam com períodos de remissão e exacerbação e, apresentam diversas complicações. Associam-se, com certa frequência, a manifestações extraintestinais (MEIs), tais como: articulares, cutâneas, oculares, hepatobiliares e vasculares, que podem preceder, acompanhar ou suceder a DII.2
Qualidade de vida das pessoas com DII
O conceito de qualidade de vida se refere à quão bem as pessoas desempenham suas funções na vida diária e à avaliação pessoal do seu bem-estar.5
Diante dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, das complicações que podem envolver as DIIs e das incertezas em prever os períodos de exacerbação e remissão, essas doenças impactam significativamente na qualidade de vida destes pacientes.
Vários estudos demonstram que as DIIs geram, ao longo da vida dos pacientes, grandes impactos no bem-estar físico e emocional, impondo desafios consideráveis no gerenciamento das atividades diárias e acarretando alterações no âmbito social, psicológico e profissional.6,7
Há evidências de que a ansiedade e a depressão são mais prevalentes nos pacientes com DII que apresentam sintomas mais graves durante os períodos de atividade da doença. É importante ressaltar que a depressão e a ansiedade estão associadas a surtos mais frequentes de DII. No tratamento de pacientes com DII ou qualquer doença crônica, a equipe de saúde deve considerar todas as facetas do paciente e não apenas o físico. Os aspectos emocionais e sociais de uma doença crônica também devem ser levados em consideração. 8,10
Quando pensamos em qualidade de vida, raramente associamos esse conceito à saúde da boca, mas no campo da odontologia o termo saúde bucal está relacionado com a qualidade de vida e, é comumente utilizado para descrever o impacto que problemas bucais podem produzir na vida das pessoas.11
Nesse aspecto, discutiremos sobre a saúde bucal dos pacientes com DII, levando em conta que, embora os sintomas intestinais sejam predominantes, os pacientes com DII podem ter várias MEIs como já citado e, entre elas, temos as manifestações orais que também podem impactar diretamente na qualidade de vida destes pacientes.12
Manifestações orais das DIIs
As manifestações bucais das DIIs podem preceder, coincidir ou acompanhar o aparecimento dos sintomas intestinais, sendo mais prevalentes em crianças, do que em pacientes adultos.12
O envolvimento oral na DII pode se dar por diferentes tipos de lesões, que podem ser divididas em três categorias: 13,14
- Lesões altamente específicas para a DII (Alterações Granulomatosas na histologia na DC e Pioestomatite Vegetante na RCU);
- Lesões altamente suspeitas de DC (relacionadas à doença);
- Lesões inespecíficas (relacionadas principalmente com a desnutrição e com
medicamentos).
A gravidade de sua apresentação clínica pode variar, de leve e indolor, à extensa e dolorosa. A cooperação entre o cirurgião-dentista e o médico é essencial para o sucesso do diagnóstico da DII (nos casos em que a patologia oral precede as manifestações intestinais), bem como no diagnóstico e tratamento das lesões orais nesses pacientes.13
As áreas mais afetadas pelas manifestações bucais das DIIs são: 15
As lesões presentes na cavidade oral incluem: “oral cobblestoning” (mucosa com aspecto de pedra da calçada), úlceras lineares profundas, hiperplasia gengival, aftas orais, queilite angular, eritema perioral, entre outras.15,16
Cárie e a doença periodontal nos pacientes com DII:
Um aspecto importante a ser discutido, além das lesões na cavidade oral, é que estudos indicam que os pacientes com DII também parecem ter um risco aumentado de cárie dentária, periodontite e xerostomia.12,17,18
Os fatores de risco estabelecidos para a cárie dentária são:19
Alguns estudos sugeriram um índice de placa mais alto e maus hábitos alimentares em pacientes com DII. 21,22
Outro estudo mostra que existe uma correlação entre a produção de MUC5B e a atividade da doença, o que significa que a saliva pode se tornar mais viscosa durante a doença ativa e, portanto, durante a inflamação. 23
Todos os fatores apresentados mostram que estes pacientes têm um alto risco de desenvolvimento de cárie dental. A periodontite e a DII são consideradas uma resposta inflamatória da mucosa desproporcional a microrganismos em pacientes suscetíveis. Revisões recentes de estudos epidemiológicos concluem que parece haver evidências crescentes de uma correlação entre a DII e a doença periodontal. 24,25
Conclusão:
- O gerenciamento do impacto na qualidade de vida do paciente envolve uma série de ações que podem auxiliá-lo no manejo e convivência com a sua DII.
- Viver com a DII significa lidar com uma condição ao longo da vida, às vezes, exigindo ajustes significativos no estilo de vida.
- A equipe pode e deve orientar o paciente quanto ao seu estilo de vida e incentivá-lo na adoção de hábitos saudáveis que certamente favorecerão a melhoria da qualidade de vida, como a prática de exercícios físicos, estratégias de gerenciamento de estresse, psicoterapia, mudanças de hábitos alimentares com redução da frequência do consumo de açúcares e carboidratos e higienização bucal, após as principais refeições e também lanches da manhã e tarde.
- Conforme descrito, a DII pode ter efeitos negativos na saúde bucal e, portanto, os pacientes precisam de atenção especial do dentista na equipe multidisciplinar. Uma higienização rigorosa e o acompanhamento odontológico preventivo, como exames mais frequentes, devem ser enfatizados pelos dentistas e pelo médico responsável.
- É importante informar os pacientes sobre a relação entre sua doença e os problemas de saúde bucal, a que estão propensos. A higiene oral tem um impacto crucial no controle da cárie dental e da doença periodontal, além de controlar infecções oportunistas, no caso das lesões orais.
- O Paciente e/ou responsáveis necessitam receber orientações sobre a necessidade de uma rotina de higienização rígida que se tornará um hábito com o tempo. Tendo em vista que a higienização bucal deve ser executada pelo próprio paciente e/ou pelo seu responsável (no caso das crianças), a orientação sobre a necessidade de implantação desta rotina de cuidados bucais é fundamental para o sucesso do acompanhamento. Somente com a conscientização da importância desta prática é que o paciente se sentirá incluído e responsável por uma parcela significativa do cuidado com sua saúde bucal.
Outro ponto é a orientação sobre a necessidade de escovação após as alimentações mesmo que seja uma alimentação comum após dieta líquida ou pastosa.
Referências bibliográficas
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4. Ministério da Saúde (BR). Portaria Conjunta Nº 14, de 28 de novembro de 2017. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Crohn.
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A Doença Inflamatória Intestinal pode interferir na qualidade de vida, inclusive na saúde bucal, apresentando diversos sintomas na boca, acompanhando os sintomas no intestino, especialmente no caso das crianças.
Neste conteúdo você saberá mais sobre:
- Extensão dos sintomas na cavidade oral;
- Quais as áreas mais afetadas na boca;
- Principais fatores de risco para cáries, periodontite e xerostomia;
- Cuidados extras com a saúde bucal para pacientes com DII.
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