Neste conteúdo abordaremos:
- Eixo intestino-músculo e adaptações ao exercício;
- Ácidos graxos de cadeia curta e sua relação com o músculo esquelético;
- O exercício físico e a saúde intestinal.
Introdução
Por muitos anos, o intestino foi estudado como um órgão isolado, responsável principalmente pelo processo de digestão e absorção de nutrientes. Atualmente, sabe-se que esse órgão desempenha um papel extremamente relevante para a homeostase do organismo e que vai muito além da digestão e absorção. Por esses motivos, existem diversos autores da área que defendem o intestino como o órgão mais importante do corpo, sendo mais importante inclusive, do que o próprio cérebro (Richards et al., 2021).
Por outro lado, o músculo esquelético também sofreu essa subvalorização em relação às suas funções metabólicas. Enquanto acreditamos por longo período que esse tecido seria relevante para as funções locomotoras, força e até mesmo estética. Mas hoje, o tecido músculo esquelético é considerado um dos tecidos mais metabolicamente ativos do nosso organismo (Zurlo et al., 1990).
É muito comum avaliar ou citar o intestino e o músculo esquelético de maneira separada e individual. Fato é, que nos últimos anos a literatura científica começou a olhar em conjunto esse órgão com esse tecido e as descobertas e associações foram tão surpreendentes, que atualmente é uma das áreas de estudo que mais cresce e que se torna uma grande tendência na área da saúde. Por longos anos, os holofotes da nutrição esportiva estavam voltados à ação dos carboidratos no músculo esquelético. São diversas recomendações, posicionamentos e guidelines em relação à quantidade de carboidratos antes, durante e após o exercício visando exclusivamente essa ação no músculo esquelético.
Eixo intestino-músculo e adaptações ao exercício
Autores da área publicaram um artigo científico (Przewłócka e colaboradores, 2020) no qual o próprio título do documento já trazia grandes informações em relação a essa questão. O título possui a seguinte afirmação: o eixo intestinomúsculo existe e pode afetar as adaptações ao exercício físico. Nesse artigo de revisão, os autores da área discutiram a relação da saúde intestinal com as adaptações promovidas (e muitas vezes desejadas) pela prática de exercício físico. De maneira geral, foi relatado que um intestino saudável, caracterizado por uma alta biodiversidade de bactérias que colonizam o intestino, integridade na barreira intestinal e grande capacidade de produção de ácidos graxos de cadeia curta, estariam associados a uma menor secreção de citocinas pró-inflamatórias e melhores respostas nas adaptações ao exercício físico.
Como consequência, os benefícios do intestino saudável são:
Por outro lado, um cenário de uma má saúde intestinal, caracterizado por uma baixa capacidade de produção de ácidos graxos de cadeia curta, disbiose intestinal, desequilíbrio entre as bactérias que colonizam o intestino e maior permeabilidade intestinal, estaria associado à maior secreção de citocinas próinflamatórias e LPS (lipopolissacarídeo), no qual impactaria de maneira negativa nas adaptações promovidas pelo exercício físico, atenuando a síntese proteica através da maior ativação de vias bioquímicas associadas ao catabolismo, à redução da biogênese mitocondrial e à recuperação muscular. A imagem abaixo ilustra o cenário discutido:
Essas adaptações do exercício que sofrem interferência pelo intestino parecem ter grandes responsáveis por essa ligação: os ácidos graxos de cadeia curta (butirato, acetato e propionato). Hoje, sabe-se que esses ácidos graxos são principalmente produzidos a partir de algumas bactérias que colonizam a microbiota intestinal, inclusive por definição, são chamados de pós-bióticos (produtos resultantes do metabolismo das bactérias) (Salminen et al., 2021).
Ácidos graxos de cadeia curta e sua relação com o músculo esquelético
Essa relação ganhou tanta importância, que um dos grandes marcos da literatura científica dessa área foi a descoberta de receptores de ácidos graxos de cadeia curta localizados e expressos no tecido muscular, como por exemplo, o GPR42 e o GPR43 (Carey e Montag, 2021).
Ainda nesse estudo, os autores viram subsequentemente, que os ratos germ-free que fizeram um transplante fecal, ou seja, passaram a ter uma colonização da microbiota intestinal e foram suplementados com ácidos graxos de cadeia curta, ganharam mais força muscular, comparado ao grupo dos animais que se mantiveram germ-free. Recentemente, um artigo científico discutiu novidades e avanços da ciência em relação à sarcopenia (perda progressiva e generalizada de massa e força muscular). Por muitos anos, as atenções foram voltadas ao aporte proteico e à prática de exercício físico, porém, nesse artigo científico, os autores deram um grande destaque para o papel dos ácidos graxos de cadeia curta nesse impacto sobre a saúde muscular. Isso acontece principalmente por três vias que atuam em conjunto (Tao e colaboradores, 2021):
A imagem abaixo destaca esse mecanismo de ação dos ácidos graxos de cadeia curta nos miócitos (células do músculo esquelético):
No que diz respeito à ação do intestino, mais especificamente, dos ácidos graxos de cadeia curta no músculo esquelético e na nutrição esportiva, existe um amplo corpo de evidências científicas que discutem isso. Porém, existem ainda, evidências científicas que destacam essa ligação do intestino-músculo com outros fatores, como por exemplo, a saúde mitocondrial do músculo esquelético e a melhora do desempenho esportivo propriamente dita (Indad et al., 2022).
Okamoto e colaboradores (2019), observaram em modelo animal, que animais com uma alimentação rica em carboidratos acessíveis à microbiota (do inglês MACs) estariam associados a uma maior produção de ácidos graxos de cadeia curta e melhoraram a performance esportiva em teste de esteira até a exaustão. Isso é explicado desde 2017, quando Clark e Mach mostraram que o eixo intestino-mitocôndrias atuava como uma via de mão dupla, ou seja, um intestino saudável está associado à melhor saúde mitocondrial e uma saúde mitocondrial está associada à maior integridade da barreira intestinal. Logo, isso teria um impacto na performance esportiva, principalmente em exercícios de longa duração, que são exercícios com características bioenergéticas de grande demanda mitocondrial.
O exercício físico e a saúde intestinal
Nesse estudo, os autores destacam que os ácidos graxos de cadeia curta produzidos no intestino, teriam uma forte ligação com o aumento da expressão de PGC1- alfa, fator que predispõe a biogênese mitocondrial e, consequentemente, melhoraria o desempenho esportivo.
Vale salientar que, embora seja muito falado sobre o papel da nutrição e da microbiota na melhora do exercício físico, o contrário também é válido, ou seja, a prática de exercício físico é um dos grandes fatores que interferem de maneira positiva em uma saúde intestinal. Embora, a hiperpermeabilidade intestinal seja considerada uma vilã, a permeabilidade causada pela prática do exercício físico, além de melhorar a colonização e biodiversidade das bactérias que habitam no intestino, promove também uma maior absorção de nutrientes e compostos bioativos. Um artigo publicado por Clauss e colaboradores (2021) trouxe à tona esse desfecho positivo da prática de exercício físico sobre a saúde intestinal.
A imagem abaixo destaca essa relação:
Conclusão
os ácidos graxos de cadeia curta sejam os responsáveis por trás dessa relação intestino-músculo, as bactérias que colonizam a microbiota intestinal estão associadas à metabolização de outros metabólitos secundários que também exercem ações positivas na saúde muscular, como: triptofano, aminoácidos de cadeia ramificada, polifenóis e a urolitina (Danneskiold-Samsøe e colaboradores, 2019).
Cada vez mais, tem sido discutido e evidenciado que a saúde muscular está totalmente ligada à saúde intestinal. Isso é o começo de uma grande era da nutrição, uma grande tendência que cada vez mais fará (ou deverá fazer parte) da conduta do profissional da área da saúde. Portanto, para cuidar da saúde muscular, cuide do intestino. E vice-versa.
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Referências bibliográficas
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Estudos recentes afirmam que há uma relação entre o intestino e o músculo esquelético, com resultados promissores para a nutrição esportiva.
Os benefícios do intestino saudável estão associados ao ganho de força e massa muscular, maior capacidade antioxidante e aumento da biogênese mitocondrial.
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