A desnutrição é altamente prevalente em pacientes cirúrgicos, particularmente nos portadores de câncer do trato digestivo e de cabeça e pescoço. A anorexia secundária ao câncer e ao uso de quimio e radioterapia, assim como a presença de náuseas, vômitos e saciedade precoce, diminuem a ingestão alimentar. Vias metabólicas alteradas, levando à caquexia, e perdas anormais, também contribuem para que estes pacientes apresentem risco elevado de deficiências nutricionais ou mesmo desnutrição leve. Estima-se que a desnutrição acometa de 30% a 50% dos pacientes com câncer digestivo no momento do diagnóstico, e que esteja presente em quase a totalidade dos pacientes no momento do óbito.1 Pacientes desnutridos, quando submetidos ao tratamento cirúrgico, apresentam taxas elevadas de morbimortalidade pós-operatória, particularmente no obeso sarcopênico. Além disso, esses pacientes têm maior tempo de internação e aumento importante dos custos hospitalares.2
Nutrição Periopetarória
Vários estudos mostram que o estado nutricional é seguramente um dos fatores independentes que mais influenciam os resultados pós-operatórios em operações eletivas. Em pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição, ou obesos sarcopênicos, que são candidatos a operações eletivas, a resposta orgânica ao trauma operatório tem maiores repercussões e influencia negativamente os resultados.3
O principal objetivo da Terapia Nutricional (TN) perioperatória é minimizar os efeitos da desnutrição, e reduzir as taxas de complicações pós-operatórias. As metas atuais da TN perioperatória são a modulação da resposta inflamatória aguda e a estimulação do sistema imunológico de maneira a reduzir as complicações, particularmente as infecciosas, o tempo de internação e os custos globais do tratamento.4 Assim, a terapia nutricional convencional ganhou importante aliado com o conceito de imunonutrição, ou seja, a oferta de nutrientes com atividade não só nutricional, mas imunoestimuladora e anti-inflamatória, além de estimular a cicatrização. A adição de arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos aos suplementos nutricionais convencionais confere essas vantagens adicionais da nutrição perioperatória. Nesse contexto, vários estudos randomizados5,6 documentaram claramente esses resultados positivos.

Há hoje, na literatura, mais de 50 estudos prospectivos randomizados sobre o tema, e que foram objeto de 5 meta-análises.7-11 Recentemente, Braga et al.12 revisaram as 5 meta-análises existentes e confirmaram, de maneira consistente, que, em desnutridos graves ou moderados, a terapia nutricional pré-operatória por 7 a 14 dias está associada à redução de infecções pós-operatórias e do tempo de internação.12 A terapia nutricional deve ser implementada no pré-operatório, preferencialmente por via oral ou enteral, em pacientes desnutridos, candidatos a grandes procedimentos cirúrgicos do trato digestivo ou de cabeça e pescoço. Há evidências de que estes pacientes, tanto os desnutridos quanto os de estado nutricional preservado, se beneficiam com formulações contendo imunonutrientes administradas no perioperatório. Nesses pacientes, a terapia nutricional pré-operatória, com fórmulas imunomoduladoras, traz significativos benefícios. Em consonância com essas evidências, as diretrizes brasileiras4 de TN no perioperatório recomendam que a TN pré-operatória seja indicada por um período de 7 a 14 dias em pacientes com risco nutricional grave, candidato a operações eletivas de médio e grande porte(A). Em pacientes desnutridos, submetidos a operações para tratamento de câncer do aparelho digestivo e de cabeça e pescoço, recomenda-se a TN pré-operatória com imunonutrientes por 7 a 14 dias, sendo que a TN deve ser continuada no pós-operatório por mais 5 a 7 dias(A). Em operações de grande porte para ressecção de câncer, mesmo não havendo desnutrição grave, a TN pré-operatória com suplementos contendo imunonutrientes está indicada por 5 a 7 dias e deve ser continuada no pós-operatório(A). Recomendação similar é feita pela ASPEN (Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral13 e pela ESPEN (Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo)14. As Diretrizes da ESPEN para Oncologia de 2016 conferem grau de recomendação “forte” para imunonutrição por via oral ou enteral em pacientes com câncer do aparelho digestivo alto candidatos à cirurgia14. Também com o intuito de otimizar a recuperação pós-operatória, nos últimos 15- 20 anos, foram criados diversos programas conhecidos coletivamente como ERPs (programas de aceleração da recuperação pós-operatória, em inglês). Há hoje no mundo diversos programas, como o ERAS15 (Aceleração da Recuperação Pós-Operatória) na Europa, o ASER16 (Sociedade Americana de Recuperação Acelerada), e o SMART17, Programa de ERP da SAGES (Sociedade Americana de Cirurgiões Gastrointestinais e Endoscópicos) nos EUA. No Brasil temos o Projeto ACERTO18 (Aceleração da Recuperação Total pós-operatória), protocolo multimodal composto de 12 itens no período perioperatório e que tem sido adotado por um número cada vez maior de hospitais no Brasil e também em outros países latino-americanos. A imunonutrição perioperatória é parte integrante do Projeto ACERTO. A questão que se poderia colocar é se a imunonutrição perioperatória confere vantagens adicionais aos pacientes que já vão ser tratados de acordo com os ERPs. Neste sentido, recentemente (2016) foi publicado importante estudo espanhol prospectivo, multicêntrico, conhecido como estudo SONVI18. Este estudo incluiu 264 pacientes submetidos à ressecção colorretal por câncer e que foram tratados de acordo com o Protocolo ERAS. Os pacientes foram divididos em 2 grupos: suplemento nutricional oral convencional ou suplemento oral enriquecido com imunonutrientes por 7 dias no pré-operatório e 5 dias no pós-operatório. A completude do protocolo ERAS foi similar em ambos os grupos, superior a 75%. Complicações ocorreram em 35% dos pacientes do grupo com suplemento convencional e em 23% dos pacientes do grupo que recebeu dieta imunomoduladora (p= 0,03). Complicações infecciosas ocorreram em 23% dos pacientes do grupo convencional e em 10% dos pacientes do grupo com imunonutrição (p=0,007) e infecção do sítio cirúrgico ocorreu em 17% dos pacientes do grupo convencional e em somente 5,7% dos pacientes do grupo que recebeu suplemento com imunonutrientes (p=0,005). Com esse estudo apresentado por último, e por todo tema discutido até aqui, há uma forte tendência de que a adição de suplemento nutricional com imunonutrientes (arginina, ômega-3 e nucleotídeos) no período perioperatório pode conferir vantagens adicionais aos protocolos de aceleração da recuperação pós-operatória, em consonância com as recomendações do projeto ACERTO no Brasil.
Referências bibliográficas
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3. Bozzetti F, Gianotti L, Braga M, et al. Postoperative complications in gastrointestinal cancer patients: the joint role of the nutritional status and the nutritional support. Clin Nutr. 2007;26:698-709.
4. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral, Associação Brasileira de Nutrologia. Terapia Nutricional no Perioperatório. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes (DITEN 2011).
5. Gianotti L, Braga M, Nespoli L, et al. A randomized controlled trial of preoperative oral supplementation with a specialized diet in patients with gastrointestinal cancer. Gastroenterology 2002;122:1763-70.
6. Braga M, Gianotti L, Vignali A, Carlo VD. Preoperative oral arginine and omega-3 fatty acid supplementation improves the immunometabolic host response and outcome after colorectal resection for cancer. Surgery 2002; 132:805–14.
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9. Marik PE, Zaloga GP. Immunonutrition in high-risk surgical patients: a systematic review and analysis of the literature. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2010;34:378-386. 10. Drover JW, Dhaliwal R, Weitzel L, et al. Perioperative use of arginine supplemented diets: a systematic review of the evidence. J Am Coll Surg. 2011; 212:385-399.
11. Marimuthu K, Varadhan KK, Ljungqvist O, Lobo DN. A meta-analysisof the effect of combinations of immune modulating nutrients on outcome in patients undergoing major open gastrointestinal surgery. Ann Surg. 2012;255:1060-1068.
12. Braga M, Wischmeier P, Drover J, Heyland D. Clinical evidence for Pharmaconutrition in major elective surgery. J Parent Ent Nut 2013; 37:66-72.
13. Perioperative Nutrition Therapy: North American Surgical Nutrition Summit Reports; JPEN 2013.
14. ESPEN Guidelines Oncology - Arends J et al, Immunonutrition (Arginine, N-3 fatty acids, nucleotides) in perioperative care. Clin Nutrition, 2016.
15. Moya P, Soriano-Irigaray L, Ramirez JM et al. Perioperative oral standard supplements versus immunonutrition in patients undergoing colorectal resection in an enhanced recovery (ERAS) protocol. Medicine (Baltimore) 2016, 95.
16. Conteúdo consultado de : https://www.sages.org/sages-smart-enhanced-recovery-program/
17. Thiele RH, Raghunathan K, Brudney CS et al. American Society for Enhanced Recovery (ASER) and Perioperative Quality Initiative (POQI) joint consensus statement on perioperative fluid management within an enhanced recovery pathway for colorectal surgery. Perioper Med (Lond). 2016;5:24.
18. Aguilar-Nascimento JE, Bicudo-Salomão A, Caporossi C et al. Acerto pós-operatório: avaliação dos resultados da implantação de um protocolo multidisciplinar de cuidados perioperatórios em cirurgia geral. Rev. Col. Bras. Cir. 2006;33:3.
A desnutrição é altamente prevalente em pacientes cirúrgicos, particularmente nos portadores de câncer do trato digestivo e de cabeça e pescoço.
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