Neste conteúdo iremos abordar:
- O jejum pré-operatório;
- Prejuízos associados ao jejum prolongado;
- Os benefícios da abreviação do jejum pré-operatório;
- Recomendações nacionais e internacionais para abreviação do jejum;
- Jejum pré-operatório no paciente diabético.
O jejum pré-operatório
O jejum pré-operatório noturno, chamado “nada pela boca”, foi instituído no ano de 1946 pelo médico obstetra americano Mendelson1 que, neste mesmo ano, fez uma revisão de casos de óbitos que podiam ser relacionados com a broncoaspiração de conteúdo gástrico em gestantes que estavam anestesiadas, em uma época bastante primitiva, utilizando-se de recursos como o uso de clorofórmio.2
Assim, para garantir o esvaziamento do estômago e evitar esse tipo de ocorrência respiratória, surgiu a recomendação do jejum pré-operatório, com restrição variando entre 8 e 12 horas sem nenhum tipo de alimentação.
Atualmente, com o crescimento da medicina baseada em evidências científicas e com a necessidade de fundamentar as condutas clínicas que haviam sido criadas de forma empírica, iniciou-se uma investigação de fatores que vão desde o período de tempo necessário de jejum no pré-operatório, até outros prejuízos à saúde do paciente quando feito de forma prolongada, além da real necessidade de tempo.2
Prejuízos associados ao jejum prolongado
Descobriu-se que, com o jejum prolongado (de 6 a 8 horas), os pacientes cirúrgicos ficam expostos a prejuízos metabólicos e clínicos com implicações negativas em sua recuperação.4
Durante o período de jejum ,o organismo passa por reações para manter a sua glicemia e oferta energética, através de cascatas metabólicas, como de glicogenólise, proteólise e lipólise. Além disso, quando o trauma imposto pelo procedimento cirúrgico soma-se a estas respostas orgânicas, ocorre ainda:2
- Aumento da secreção de hormônios catabólicos como o cortisol e o glucagon;
- Aumento da resposta inflamatória;
- Aumento da secreção de catecolaminas.
Essa condição resulta em catabolismo muscular com alto consumo das reservas de glicogênio, além de um quadro de resistência insulínica que pode ser comparado, em suas características, com aquele que ocorre no diabetes tipo 2. 2
Esse tempo de privação alimentar que eventualmente é ainda maior que 12 horas, devido ao atraso na realização das cirurgias e extensão do tempo, está relacionado a implicações clínicas como:2
Considerando o motivo principal da prática do jejum pré-operatório com relação ao esvaziamento gástrico na prevenção de aspirações e analisando as consequências do jejum prolongado, conclui-se a importância de definir qual deveria ser o tempo de jejum realmente necessário com o objetivo de evitar todos estes prejuízos ao paciente.2
Os benefícios de abreviar o jejum pré-operatório
Estudos sobre os fatores envolvidos do processo de esvaziamento gástrico foram realizados a fim de verificar a segurança de abreviar o jejum, utilizando-se de exames de imagem, a exemplo da ressonância magnética e da cintilografia.2
O estudo de Lobo DN et al.3 demonstrou que o tempo de retorno aos níveis basais do volume residual gástrico é de 120 minutos, a partir da ingestão de uma solução de 50g de carboidratos dissolvidos em 400ml de água. Ao acrescentar ainda aos carboidratos 15g de glutamina, 750mg de vitamina C, 250mg de vitamina E, 1g de extrato de chá verde, 5mg de ß-caroteno, 10mg de zinco e 150 μg de selênio, este tempo foi elevado para até 180 minutos, em pacientes saudáveis.2
Tanto os protocolos que utilizaram a abreviação do jejum oferecendo 2 horas antes do procedimento cirúrgico os carboidratos exclusivamente, quanto àqueles combinados com glutamina, resultaram em redução da glicemia, insulinemia e resistência insulínica.
A explicação mais provável é a capacidade que a glicose tem para modular, tanto a resposta catabólica, quanto inflamatória, que resulta do procedimento e trauma cirúrgico tendo como resultado a melhora na sensibilidade à insulina. Além disso, foram observados diversos benefícios como:2
- Redução no tempo de permanência hospitalar;
- Redução na fase de resposta aguda;
- Melhora das defesas antioxidantes que resultam do aumento dos níveis da glutationa;
- Redução dos níveis de cortisol e consequente redução no catabolismo muscular;
- Melhora do balanço nitrogenado, favorecendo a preservação da massa muscular no período pós-operatório;
- Redução da sensação de fome, sede, boca seca, náuseas e fraqueza;
- Redução da ocorrência de sintomas gastrointestinais como a distensão abdominal e vômitos;
- Melhora na função respiratória;
- Menor atividade inflamatória.
Recomendações nacionais e internacionais para abreviação do jejum
Atualmente, existem protocolos definidos que foram implementados com o objetivo de diminuir as complicações cirúrgicas e melhorar as técnicas perioperatórias, minimizando o estresse imposto pelo procedimento. São eles:
Aqui no Brasil, temos o Programa ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós- Operatória), idealizado com os mesmos objetivos no ano de 2005, pelo Departamento de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário Júlio Muller da Universidade Federal do Mato Grosso.
Trata-se de um programa multidisciplinar que envolve os serviços de cirurgia, anestesia, nutrição, enfermagem e fisioterapia, preconizando condutas como: avaliação e terapia nutricional perioperatórias, abreviação do jejum pré-operatório com oferta de líquidos contendo carboidratos (solução de maltodextrina até 2 horas antes ou bebida de maltodextrina associado a uma fonte proteica até 3 horas antes do procedimento cirúrgico), restrição de fluídos intravenosos, do uso de sondas e drenos, realimentação e mobilização precoce no pósoperatório.2,4
Importante destacar que os protocolos são direcionados ao paciente saudável.
Pacientes com risco de desnutrição ou com diabetes devem passar por avaliação nutricional e, se possível, utilizar protocolo específico para recuperação do estado nutricional e preparo imunológico antes da cirurgia, com o objetivo de um melhor desfecho pós - operatório.
O Programa Impacto Positivo foi idealizado e desenvolvido pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões e pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e conta com a realização exclusiva da Nestlé Health Science, tendo o papel de ajudar o paciente a modificar os fatores de risco, diminuindo as chances de complicações pré e pós-operatórias a partir de treinamento com exercícios para melhorar o condicionamento físico, além de suporte nutricional e psicológico, melhorando assim, a reserva fisiológica e reduzindo o estresse antes da cirurgia.5
Jejum pré-operatório no paciente diabético
Pacientes com diabetes são mais suscetíveis a complicações pós-operatórias e a um pior controle glicêmico antes e depois da cirurgia, principalmente quando acompanhados de jejum, em que há o risco de hipoglicemia, seguido por estresse metabólico. Essa situação faz com que o organismo produza uma série de hormônios catabolizantes que causam resistência à ação da insulina, aumentando o risco de infecções e dos fatores de risco, tanto para a hipoglicemia, quanto para a hiperglicemia. 6,7
Recomendações:
- Mantenha a hemoglobina glicada do paciente inferior a 8,5%;
- Pacientes que usam cronicamente insulina (insulinodependentes) podem reduzir para metade ou um terço da dose habitual de insulina, enquanto pacientes diabéticos podem precisar suspender hipoglicemiantes orais 1 ou 2 dias antes da cirurgia, mantendo uma dieta rigorosa e monitorando a glicemia capilar;
- Reduza o tempo de jejum do paciente: o ideal é só pular uma refeição, por isso, prefira agendar a cirurgia de pacientes diabéticos pela manhã, sempre que possível;
- A glicemia deve ser verificada com maior frequência antes e após a cirurgia, de preferência a cada 2 a 4 horas e, o ideal é que esteja entre 108 mg/mL e 180 mg/mL, mas glicemias entre 72 mg/mL e 216 mg/mL são aceitáveis. Também é fundamental evitar grandes variações nestes níveis;
- Lembrar que a avaliação pré-operatória do paciente diabético deve obrigatoriamente incluir também avaliação da função renal, da função cardiovascular e neurológica.6,7
Apesar das evidências, a implementação de um protocolo de abreviação com 2 a 3 horas de jejum tem sido um dos maiores desafios da atualidade, pois envolve a mudança de condutas conservadoras e alterações nas rotinas de serviço, que inclui o treinamento de funcionários e orientação a pacientes e familiares. Mais estudos sobre abreviação do jejum em cirurgias se fazem necessários, com o objetivo de evidenciar os benefícios de seu uso aos pacientes que realizam o procedimento cirúrgico. 1-4
Referências bibliográficas
1. Kerber M. Abreviação do jejum pré-operatório de pacientes com neoplasia do trato
gastrointestinal. Hospital Bruno Born, Lajeado - RS, Brasil; 2019.
2. Campos SBG, et al. Jejum pré-operatório: por que abreviar? ABCD Arq Bras Cir Dig.
2018;31(2):e1377.
3. Lobo DN, et al. Gastric emptying of three liquid oral preoperative metabolic
preconditioning regimens measured by magnetic resonance imaging in healthy adult volunteers: a randomised
double-blind, crossover study. Clin Nutr. 2009;28(6):636-41.
4. Marcarini M, et al. Abreviação do jejum: aspectos clínicos perioperatórios de pacientes
submetidos à cirurgia cardíaca. BRASPEN J. 2017;32(4):375-9.
5. The American College of Surgeons (ACS) Strong for Surgery. 2018.
6. Dhatariya K, et al. NHS Diabetes guideline for the perioperative management of the adult
patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29(4):420-33.
7. Milech A, et al. Preparo Pré e Pós-Operatório do Paciente com Diabetes Mellitus. Diretrizes
da Sociedade Brasileira de Diabetes 2015-2016.
8. Weimann A, et al. ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Surgery including organ
transplantation. Clin Nutr. 2006;25(2):224-44.
9. Lobo DN, et al. Perioperative nutrition: Recommendations from the ESPEN expert group. Clin
Nutr. 2020;S0261-5614(20)30179-5.
10. de-Aguilar- Nascimento, et al. Diretriz ACERTO de Intervenções Nutricionais no
Perioperatório em Cirurgia Geral Eletiva. Rev Col Bras Cir. 2017;44(6):633-48.
Confira o que dizem os novos protocolos nacionais e internacionais para a diminuição do tempo de jejum pré – cirúrgico e os benefícios na redução:
- resistência insulínica;
- catabolismo muscular;
- atividade inflamatória;
- tempo de internação.
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