Disfagia e Xerostomia
A alimentação é essencial para a sobrevivência humana, requisito básico para o desenvolvimento físico, mental e social. Além disso, a alimentação envolve outras dimensões, como prazer, emoções, compartilhamento e sociabilidade.1
Entretanto, algumas doenças, como as neurológicas, podem trazer como consequência a disfagia. Hábitos e preferências alimentares podem necessitar de modificações, o que torna o momento de se alimentar difícil e constrangedor.2
A disfagia pode resultar de uma anormalidade anatômica ou funcional em qualquer estrutura e fase do processo de deglutição.3 A gravidade da disfagia orofaríngea (DO) varia da leve até a completa incapacidade de engolir. A diminuição na eficácia da deglutição pode levar o paciente à desnutrição e à desidratação. A diminuição na segurança da deglutição pode causar asfixia e aspiração traqueobrônquica, o que resulta em pneumonia em 50% dos casos, com uma taxa de mortalidade associada de até 50%.4,5

A prevalência da disfagia orofaríngea é alta: afeta mais de 30% dos pacientes com acidente vascular cerebral (AVC), 52% a 82% dos pacientes com doença de Parkinson, 84% dos pacientes com Alzheimer, 40% dos adultos acima de 65 anos de idade e mais de 60% dos idosos institucionalizados.6
Quando considerada a relação entre disfagia e risco de desnutrição em pacientes internados, observa-se que os disfágicos apresentam maior risco de desnutrição ao longo da internação ou já estão desnutridos no momento da admissão hospitalar, como observado por Garcia et al. (2007).7 Os autores avaliaram 440 pacientes internados e encontraram prevalência menor de disfagia no momento da internação em comparação a um mês de hospitalização. Os fatores mais associados à disfunção foram idade, demência e acidente vascular encefálico (AVE).7
Pacientes hospitalizados não se alimentam de forma satisfatória para atingir suas necessidades calóricoproteicas por vários fatores: dor, náuseas, ansiedade, inapetência, disfagia, depressão, incapacidade funcional, cirurgias, rádio e quimioterapia e mesmo em virtude do ambiente hospitalar. O estado geral e a resposta aos tratamentos ficam comprometidos, além das complicações serem entre duas e vinte vezes maiores quando comparados aos enfermos nutridos.8
A desidratação pode ser uma complicação importante no decorrer do tratamento da disfagia, pois pode haver a necessidade de espessamento dos líquidos com a finalidade de reduzir o risco de aspiração.9
Em decorrência da desnutrição e da desidratação, surgem inúmeras alterações corporais e metabólicas. Essas alterações, além de piorarem o processo da deglutição, afetam os sistemas imunológico e respiratório e contribuem para o desenvolvimento da insuficiência cardíaca, para a formação de úlceras por pressão e para a deficiência funcional do trato gastrointestinal.10
Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) podem desnutrir-se por apresentar, além de gasto energético aumentado, dificuldade de deglutição e mastigação decorrente da dispneia, tosse, secreção e fadiga, levando a uma ingestão inadequada de alimentos e risco aumentado de broncoaspiração.11 A redução do peso nesses pacientes pode ocasionar baixos valores da pressão inspiratória dos músculos inspiratórios.12
A desnutrição e a disfagia em idosos são frequentemente ignoradas, sendo associadas ao processo da senescência, postergando intervenções. A prevalência da disfagia é de 50% nos pacientes idosos internados; estes comumente apresentam dificuldade no processo de mastigação, xerostomia, além de desordens neurológicas, musculares e da anatomia orofaríngea.13,14 Dessa forma, a avaliação nutricional e a fonoaudiológica são fundamentais para a população geriátrica. Portanto, é importante que seja feito o diagnóstico precoce da disfagia; e, atualmente, existem métodos de triagem, de simples uso para tal.
Maeda e Akagi (2015) realizaram um estudo com 104 pacientes sem história de acidente vascular cerebral e sem diagnóstico de doença neurodegenerativa, com idade média de 84,1 anos, hospitalizados de maio a junho de 2013. O objetivo foi esclarecer a associação entre a pressão voluntária máxima da língua contra o palato e fatores relacionados à sarcopenia, como o envelhecimento, o estado nutricional e a disfagia. Os autores concluíram que a diminuição da pressão voluntária máxima da língua contra o palato, encontrada nos indivíduos estudados, está relacionada à sarcopenia ou às causas da sarcopenia.15
Em pacientes idosos nos estágios finais de demência, o uso da hidratação e da terapia nutricional é um assunto controverso. Para uma parcela da comunidade científica, nesses casos de terminalidade, a nutrição enteral beneficia o paciente. No entanto, há uma parte crescente, expressa principalmente pelos profissionais que trabalham com cuidados paliativos, que questiona os reais benefícios do suporte nutricional. Esses profissionais alegam que o desconforto e as complicações oriundos da terapia nutricional superam os seus benefícios, que são controversos, pois não há evidências científicas que comprovem o aumento da sobrevida nem a melhora da qualidade de vida dos pacientes fora das possibilidades de cura.16,17
O principal objetivo da terapia nutricional enteral em quadros de disfagia grave é prevenir a aspiração, buscando meios de facilitar uma alimentação segura e recuperar ou manter o estado nutricional e a hidratação do paciente com a dieta adaptada às suas necessidades. Vias alimentares alternativas (VAA) são indicadas. A relação entre tempo de internação e necessidade de VAA é aparentemente direta. A utilização prolongada de sonda nasogástrica (SNG), sonda nasoentérica (SNE) ou nasoesofágica não é aconselhada devido ao desconforto, trauma psíquico, aumento da secreção da árvore respiratória e irritação da nasofaringe, faringe e estômago. Portanto, quando o período de nutrição enteral for superior a quatro semanas, é indicada a realização de gastrostomia ou jejunostomia.18,19
O fonoaudiólogo, apesar de ainda não fazer parte formal da EMTN, é o profissional legalmente habilitado para avaliar a deglutição e então prescrever a consistência alimentar, as manobras e as posturas necessárias para administração da dieta via oral de forma segura. Ele colabora com a equipe na indicação de colocação e retirada da via alternativa de alimentação; elabora e conduz os procedimentos relativos à oferta da dieta, as manobras compensatórias e as técnicas posturais durante o exame de videoendoscopia ou videofluoroscopia da deglutição; e realiza análise e laudo funcional da deglutição orofaríngea.20,21
O maior desafio no atendimento fonoaudiológico a pacientes disfágicos, em âmbito hospitalar, tem sido evitar intercorrências, principalmente respiratórias. Os pacientes devem ser submetidos, quando possível, à reintrodução alimentar por via oral de maneira segura e de forma gradativa, obedecendo às fases preestabelecidas com alimentos de consistências variadas, administrados sob a supervisão de fonoaudiólogo e nutricionista.
Segundo o I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos Hospitalizados (2011), os critérios para reintrodução da alimentação por via oral são: na presença de deglutição efetiva e segura e quando o paciente atingir ingestão alimentar de aproximadamente 50% a 75% das necessidades nutricionais, pode-se iniciar o desmame da TNE; conforme a progressão da aceitação alimentar oral, ou seja, mais de 75% das necessidades nutricionais, é preciso acompanhá-la por três dias consecutivos, suspender a TNE e indicar a TNO. É preciso que toda a equipe esteja atenta à possível baixa ingestão de líquidos e mantenha a hidratação via enteral até assegurar que o paciente possa receber líquidos de forma segura.22
O sucesso do tratamento da disfagia orofaríngea no paciente em terapia nutricional enteral depende da integração da equipe multidisciplinar. É preciso que todos adotem as mesmas condutas e desenvolvam no paciente a confiança e o desejo de alimentar-se com segurança. O papel do fonoaudiólogo na EMTN como gerenciador desse processo de reabilitação é fundamental. A intervenção tem de ser precisa e segura, com protocolos bem elaborados e padronizados por toda a equipe, avaliações clínicas e instrumentais e intervenção multidisciplinar de terapeutas e médicos para definir adequadamente as condutas para cada caso.
É imprescindível orientar cuidadores e familiares de pacientes que estejam em uso de TNE quanto à elevação da cabeceira da cama de 30° a 45° e quanto à importância da boa higiene oral.23 Maeda e Akagi (2014) realizaram estudo retrospectivo no qual investigaram a eficácia da boa higiene oral para pacientes acamados e em terapia nutricional enteral. A incidência de pneumonia e o número de dias com febre, administração de antibióticos, exames de sangue e exames radiológicos foram reduzidos significativamente no grupo submetido ao protocolo de higiene oral. Os resultados do presente estudo sugerem Material exclusivo para profissionais da saúde. Proibida a distribuição aos consumidores. que a higiene oral diária de pacientes alimentados por sondas que não recebem alimentação por via oral reduziu a incidência de pneumonia. Além dos pacientes que consomem alimentos por via oral, todos os pacientes alimentados por sondas requerem cuidados orais.24
Conclusão
Detectar a disfagia no início da internação por meio de protocolos de rastreio, possibilita ao paciente uma série de benefícios. O acompanhamento nutricional é necessário para adequação individualizada da dieta em nutrientes e consistência, já a intervenção fonoaudiológica se faz necessária o quanto antes, para que o paciente possa passar da alimentação enteral para a via oral e consequentemente ter alta hospitalar mais rápida.
Melhorar a qualidade de informação e a compreensão do paciente sobre a necessidade da terapia nutricional é fundamental para que ele se sinta motivado. Estimular e ensinar o paciente e seus familiares a participarem dos cuidados com as sondas e administração das dietas, com textura adaptada por meio de espessantes, auxilia na redução da ansiedade e aumenta a segurança. Com isso, há a garantia de um melhor resultado do seu estado nutricional, reduzindo os riscos de complicações e aumentando a aderência ao tratamento.
Referências bibliográficas
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20. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RDC nº 63, de 6 de julho de 2000. Aprova o regulamento técnico para fixar requisitos mínimos exigidos para a terapia de nutrição enteral. Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 7 de julho de 2000. Revoga a portaria nº 337 de 14 de abril de 1999.
21. Resolução CFFª Nº 356, de 6 de dezembro de 2008 “Dispõe sobre a competência técnica e legal do fonoaudiólogo para atuar nas disfagias orofaríngeas.” Considerando a Lei nº 6.965/81, em especial o parágrafo único do art. 1º, o art. 4º e o art. 5º.
22. I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos Hospitalizados [coordenadora Myrian Najas]. Barueri, SP: Minha Editora, 2011.
23. McClave SA, DeMeo MT, DeLegge MH et al. North American Summit on Aspiration in the Critically Ill Patient: consensus statement. JPEN J Parenter Enteral Nutr 2002;26:S80-5.
24. Maeda K, Akagi J. Oral Care May Reduce Pneumonia in the Tube-fed Elderly: A Preliminary Study. Dysphagia 2014;29:616-21.
A alimentação é essencial para a sobrevivência humana, requisito básico para o desenvolvimento físico, mental e social.
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