Casos semelhantes a uma pneumonia aguda começaram a se acumular em Wuhan na China em dezembro de 2019.1 A rápida disseminação para outras regiões do continente e a associação de sintomatologias incomuns, levaram os profissionais da saúde à descoberta de um novo coronavírus, agora conhecido como síndrome respiratória aguda grave coronavírus-2 (SARS-CoV-2). A doença proveniente deste novo vírus foi nomeada como coronavírus 2019 (COVID-19).1,2 A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia mundial de COVID-19 no dia 11 de março de 2020 e, até o momento, o Brasil possui um número acima de 8 milhões de casos confirmados da infecção.
Nos pacientes sintomáticos, as manifestações clínicas da doença geralmente se iniciam em menos de uma semana, variando de zero a vinte dias. Os principais sinais clínicos da COVID - 19, incluem: 1,3
Nos casos de maior gravidade, o quadro pode progredir para uma síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), síndrome da disfunção de múltiplos órgãos e/ou comprometimentos neurológicos, como o acidente vascular cerebral (AVC) e a síndrome de Guillain Barré. Os tratamentos atualmente disponíveis visam combater a sintomatologia e evitar complicações clínicas. 4,5
Respirar e engolir são funções intimamente relacionadas e altamente coordenadas. Sabe-se que doenças respiratórias como a fibrose pulmonar estão associadas a déficits patológicos na sincronia entre a deglutição e a respiração.2 A incoordenação destas funções vitais durante, por exemplo, um quadro de dispneia e/ou cansaço durante a refeição, é considerada um fator de risco para a disfagia.4
Apesar dos já conhecidos comprometimentos dos déficits ventilatórios na deglutição aqui descritos, o impacto fisiológico da pressão positiva contínua no trato aerodigestivo ainda não foi descrito em pacientes com COVID-19. Portanto, é necessário cautela durante a condução destes casos com relação a sua alimentação por via oral, sendo necessário, por vezes, adaptações de consistência e orientações.
Há décadas a ventilação mecânica invasiva inadequada e/ou prolongada por meio da intubação orotraqueal é descrita na literatura como fator de risco para lesões laríngeas e/ou disfagia. Considera-se prolongado um período superior a 48 horas.2 A passagem do tubo por via oral, orofaringe e laringe e, o uso de bloqueadores neuromusculares ou agentes sedativos durante o período de ventilação mecânica, podem originar inúmeras alterações organofuncionais já conhecidas, como: 2-4,6
Todos estes aspectos representam risco para um transtorno da deglutição, sendo necessária uma avaliação fonoaudiológica após a extubação para deliberação de condutas e estratégias seguras.4
A necessidade de ventilação mecânica invasiva prolongada pode levar à realização de uma traqueostomia, recurso que vem sendo utilizado no contexto da COVID-19 em pacientes com condições respiratórias complexas.6 A disfagia ocorre em 11 a 93% dos pacientes após a realização de uma traqueostomia. Existem diversas explicações postuladas na literatura para justificar esse achado, incluindo entrada sensorial laríngea reduzida devido ao desvio de fluxo aéreo, atrofia por desuso das estruturas laríngeas e redução da pressão aérea subglótica.7 Sabe-se que a traqueostomia isoladamente não justifica um transtorno da deglutição, entretanto, seu impacto na biodinâmica da deglutição associado às características clínicas da doença de base podem representar um contexto de risco.
Estas alterações patológicas oriundas do quadro respiratório, perda de massa
muscular e comprometimentos cognitivos podem ser agravadas em indivíduos idosos.2,4 A idade elevada parece ser um fator de risco para as infecções sintomáticas graves na COVID-19.1 Neste grupo, a deglutição apresenta-se com maior risco de déficits devido a fatores relacionados com o envelhecimento como: perda de peso e massa muscular, alterações na coluna cervical, redução da mobilidade e elasticidade dos tecidos, redução da produção de saliva, comprometimento dos dentes, redução da
sensibilidade oral e faríngea e funções olfativa e gustativa reduzidas.8
Outros fatores associados com o risco de disfagia nos pacientes sintomáticos:
- Presença de sepse;
- Alteração do estado de consciência;
- Delirium e/ou níveis reduzidos de alerta.
Além dos comprometimentos de origem organofuncional, frequentemente os pacientes apresentam manifestações psíquicas oriundas do tratamento e da necessidade do isolamento social.4 É preciso considerar também a existência de um quadro de disfagia prévio, proveniente de inúmeros fatores já conhecidos como o Parkinson ou cirurgias de câncer de cabeça e pescoço.
A desnutrição e a consequente perda de massa muscular são complicações frequentes da COVID-19 o que, evidentemente, podem favorecer o desenvolvimento e/ou agravamento da disfagia.2,5 É possível observar que, devido à complexidade de uma patologia nunca antes descrita, uma equipe interdisciplinar coesa é fundamental para a condução assertiva dos pacientes sintomáticos da COVID-19.
A triagem e a avaliação da deglutição em pacientes críticos com COVID-19 são considerados procedimentos obrigatórios devido aos riscos provenientes da disfagia. As associações internacionais recomendam cautela durante a intervenção em um paciente não totalmente alerta ou consciente, pois esse contexto pode representar um risco aumentado de resultados adversos, incluindo a aspiração. Em um contexto favorável, as recomendações contemplam uma avaliação completa da função como já conhecemos tradicionalmente (estrutural e funcional), com atenção a todas as medidas de precaução padrão e uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados, orientados amplamente por órgãos normativos.2,4,6
O processo de reabilitação precisa contemplar as necessidades do paciente e pode incluir: estratégias compensatórias, como o uso de líquidos espessados e alimentos com consistência modificada, suporte nutricional complementar, manobras posturais e/ ou orientações específicas como o ajuste de utensílios. Além disso, é possível utilizar exercícios ativos selecionados que visam reduzir o risco de transmissão, como por exemplo solicitar protrusão de língua sem a manipulação direta da cavidade oral. Estratégias como o treinamento da força muscular expiratória, tosse e a deglutição super-supraglótica devem ser utilizadas em pacientes selecionados devido ao alto risco de aerossóis durante sua execução.2,4
Na prática clínica, sabe-se que comumente estes pacientes, principalmente os traqueostomizados, apresentam tosse e precisam de aspiração constante devido à grande quantidade de secreção e/ou dificuldade de seu gerenciamento.
Além disso, muitos pacientes necessitam de exercícios ativos frequentes para manter e/ou estimular a deglutição. A higiene oral no paciente disfágico também é descrita como uma estratégia fundamental para a manutenção da saúde pulmonar e deve ser realizada de forma constante. Portanto, independente da estratégia selecionada pelo profissional fonoaudiólogo e membros da equipe interprofissional, recomenda-se o uso de EPIs adequados.4 Alguns tratamentos médicos podem apoiar o processo terapêutico, como exemplo, o uso de medicação para reduzir as secreções e/ ou saliva e facilitar a reabilitação.
A atuação fonoaudiológica em pacientes acometidos por COVID-19 visa favorecer a comunicação e o manejo da disfagia, reduzindo os riscos de penetração e/ou aspiração laríngea, pneumonia, uso prolongado de vias alternativas de alimentação, tempo de internação e custos hospitalares. O fonoaudiólogo é um membro fundamental da equipe interdisciplinar e sua atuação precisa contemplar a individualidade e autonomia do paciente e da sua família.
Referências bibliográficas
Referências: 1. Velavan TP, Meyer CG. The COVID-19 epidemic. Trop Med Int Health. 2020;25(3):278-280. 2. Freitas AS, Zica GM, Albuquerque CL. Coronavirus
pandemic (COVID-19): what speech therapists should know. Codas. 2020;32(3):e20200073. 3. Guan WJ, et al. Clinical characteristics of coronavirus disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020;382:1708-20. 4. Vergara J, et al. Assessment, Diagnosis, and Treatment of Dysphagia in Patients Infected With SARS-CoV-2: A Review of the Literature and International Guidelines. American journal of speech-language pathology. 2020;1-12. 5. Abdullahi A, et al. Neurological and musculoskeletal
features of COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Frontiers in neurology. 2020;11:1-14. 6. Vergara J, et al. Swallowing and Communication Management
of Tracheostomy and Laryngectomy in the Context of COVID-19: A Review. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. 2020;1-6. 7. Skoretz SA, et al. A Systematic Review of
Tracheostomy Modifications and Swallowing in Adults. Dysphagia. 2020;1-13. 8. Wirth R, et al. Oropharyngeal dysphagia in older persons - from pathophysiology to
adequate intervention: a review and summary of an international expert meeting. Clin Interv Aging. 2016;11:189-208.
Neste artigo, o fonoaudiologo Guilherme Maia Zica traz evidências sobre os fatores associados com o risco de disfagia nos pacientes com COVID-19 sintomáticos. Quais são os riscos e formas de intervenção? Confira:
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