A disfagia é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a dificuldade de mover o bolo alimentar da boca para o esôfago. Devido à sua alta prevalência (2,3% a 16% entre a população geral; 30% entre idosos independentes; acima de 40% em contextos específicos: como hospitais e cuidados agudos geriátricos; 60% entre os idosos institucionalizados), a disfagia é considerada hoje uma Síndrome Geriátrica associada ao pior prognóstico de vida e alta mortalidade.1
Alterações sensório-motoras na fisiologia da deglutição relacionadas à idade bem como doenças, são os fatores predisponentes para a disfagia. Entre as alterações fisiológicas pode-se citar a redução da massa muscular e a elasticidade do tecido conjuntivo que levam a perda da força e amplitude do movimento, impactando negativamente no fluxo do alimento, além da diminuição da produção de saliva, paladar e olfato que contribuem para a redução do desempenho, implicando assim em maior tempo para a deglutição.2
Doenças relacionadas à idade são os principais fatores que contribuem para disfagia, sendo as doenças neurodegenerativas (52 a 82% dos pacientes com Parkinson, 60% dos pacientes com doença lateral amiotrófica, 40% com esclerose múltipla e até 84% com doença de Alzheimer) e AVC (entre 40% e 60%) as que possuem maior prevalência.1
A disfagia é uma das preponderantes causas de morbidade e mortalidade devido a complicações graves que incluem desnutrição e/ou desidratação (50% dos casos), aspiração e pneumonia aspirativa. Ela pode atuar como preditor de risco de forma independente para a desnutrição bem como para resultados físicos indesejados avaliados pela SPPB (Short Physical Performance Battery) e força de preensão manual.3, 4
A redução da ingestão de alimentos e líquidos durante a hospitalização aguda associada à disfagia pode contribuir para a desnutrição, esta por sua vez, pode levar à diminuição da capacidade funcional. Assim, a disfagia pode desencadear ou promover o processo de fragilidade nessa população. As mortes por pneumonia aspirativa, devido à aspiração de sólidos e líquidos, hoje, encontram-se na 15ª posição na lista de causas comuns de mortalidade, confirmando a importância de se diagnosticar e tratar a disfagia precocemente.3
Embora muitos pacientes recuperem a deglutição funcional espontaneamente no primeiro mês após o AVC, alguns mantêm a dificuldade de engolir mesmo após seis meses, aumentando assim o tempo de internação hospitalar, o período de reabilitação, e os custos de assistência à saúde. Assim, essas complicações afetam o bem estar social e a qualidade de vida dos pacientes e cuidadores.
Dessa forma, a disfagia requer triagem, diagnóstico e cuidados específicos para evitar possíveis complicações.1 Seu gerenciamento exige um trabalho multidisciplinar, pois nenhuma estratégia isolada é apropriada para todos os pacientes.3
Atualmente, não há tratamento farmacológico para a disfagia. O acompanhamento nutricional e fonoaudiológico é o pilar para a melhora do quadro.3
A avaliação clínica do fonoaudiólogo geralmente é complementada por exames de imagens e, esses profissionais podem participar de uma ampla gama de intervenções, dentre eles, modificar a consistência da dieta e indicar espessamento de líquidos, dentre outros.3
O aumento de líquidos para a modificação da consistência dos alimentos pode levar à redução de 32% no valor calórico total e 46% na quantidade de proteínas na dieta. Assim, a simples orientação para a alteração mecânica dos alimentos, sem a devida compensação no aumento da densidade calórica dessas dietas, resulta em uma iatrogenia que pode ser o gatilho para a desnutrição, resultando em mais perda de massa muscular e consequente piora da disfagia. Dessa forma, a indicação de suplementos alimentares calóricos e proteicos associados à modificação da consistência, são essenciais para se evitar tais resultados.5

Um estudo feito com mais de 1.000 idosos mostrou que o declínio da função mastigatória e/ou da deglutição, pode gerar uma redução calórica de até 30% se comparada às recomendações das DRIs.6 Relacionado a isto, outro estudo comparando a redução do consumo calórico e de macronutrientes, quando há involução de consistência (dieta geral/normal para pastosa, por exemplo) em grandes refeições (almoço e jantar), mostrou que a grande perda calórica pode ser justificada em função da perda de aproximadamente 40% do teor de proteínas e de lipídios destas refeições.5
Identificando a Desnutrição no Paciente disfágico
Desnutrição e disfagia podem acontecer simultaneamente, ou uma condição pode ocorrer em consequência da outra. A grande ocorrência de disfagia em pacientes desnutridos acontece em função do declínio muscular do corpo todo ou da musculatura mastigatória, e perda da capacidade funcional que comumente acompanha a desnutrição. Este processo vem sendo discutido como “Disfagia Sarcopênica”. Por outro lado, a disfagia originada de outras condições patológicas pode levar à desnutrição, em função do reduzido consumo calórico que é gerado no processo de adaptação das consistências sem a devida compensação calórica.4, 7
Visando retardar o aparecimento da desnutrição, ou mesmo evitá-la, é de extrema importância a identificação do risco nutricional de forma precoce. Segundo o Guideline Europeu de Nutrição Clínica e Hidratação em Geriatria, pode-se considerar desnutrido o idoso que apresente uma das seguintes alterações: perda ponderal não intencional (> 5% do próprio peso em seis meses ou > 10% acima de seis meses); redução do índice de massa corporal (IMC< 20kg/m2); ou redução da massa muscular (conforme critério diagnóstico). Além disso, o risco para desenvolver desnutrição é maior em idosos que apresentem redução da ingestão oral (ingestão menor que 50% das necessidades por mais de 3 dias) ou que possua fatores de risco que possam induzir à redução da ingestão (tais como: doenças neuropsicológicas agudas ou crônicas, dificuldades para deglutição e/ou mastigação e imobilidade).7
Considerando a importância da identificação da desnutrição nesta população, torna-se de extrema relevância a escolha adequada de métodos de triagem e diagnóstico do estado nutricional que considerem as especificidades do envelhecimento. Sobre isso, a Sociedade Europeia de Nutrição Parenteral e Enteral (ESPEN), a Associação Internacional de Gerontologia (IAG) e a Academia Internacional de Nutrição e Envelhecimento (IANA) preconizam a MNA (Miniavaliação Nutricional) como instrumento preferível para a triagem de idosos, sendo considerado um método de avaliação com nível de evidência A, pelo Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos.8
Além do uso da MNA, outros instrumentos para refinamento do estado nutricional podem ser necessários, dentre eles, os mais importantes na avaliação em idosos estão os que podem avaliar a massa muscular quantitativamente e os instrumentos que avaliam a funcionalidade da massa muscular. A Circunferência da Panturrilha (CP) é um método antropométrico fácil e rápido de ser aplicado, considerado um excelente indicador para avaliar a reserva de massa muscular no idoso. Como parâmetro para a avaliação funcional em idosos, destaca-se a avaliação da Força de Pressão Palmar, devido à sua forte correlação com morbimortalidade em idosos (Quadro 1).7
Tabela 1- Evidências na Nutrição e Disfagia

A definição adequada do estado nutricional no idoso, considerando os indicadores recomendados é um passo importante para a definição das intervebções nutricionais necessárias.
Estratégias Nutricionais em idosos com Disfagia
Enquanto a ingestão oral ainda é viável e não traz riscos, algumas manobras nutricionais compensatórias podem ser indicadas para aumentar o aporte calórico das refeições. Entretanto, como o aumento do volume das refeições nem sempre é bem tolerado no idoso, o objetivo dessa intervenção é aumentar a densidade calórica das refeições com segurança, mantendo a facilidade do consumo oral (Quadro 2).

O objetivo principal das modificações dietéticas em pacientes com disfagia é melhorar a segurança e facilitar a ingestão oral de forma segura e adequada, no entanto, dietas modificadas podem implicar em redução importante da ingestão de alimentos e consequentemente de calorias e proteína podendo levar à perda de peso, desnutrição e sarcopenia.3
Quando a ingestão oral não é capaz de fornecer o aporte nutricional necessário para a prevenção e/ou tratamento da desnutrição, a terapia nutricional oral com uso de suplementação adequada faz-se necessária (Quadro 3).

Dentre as intervenções nutricionais compensatórias mais usadas em hospitais e instituições geriátricas para favorecer o consumo de líquidos, é o uso de líquidos espessados. O objetivo principal desta manobra é combater o risco de desidratação que também tem prevalência alta nos idosos.3
A indicação de líquidos espessados com o objetivo de ajudar a controlar a velocidade, a direção, a duração e a limpeza do bolus é outra intervenção compensatória utilizada em longo prazo. Porém, a adesão dos pacientes aos líquidos espessados é frequentemente reduzida, o que leva a uma preocupação com relação ao risco de desidratação nesses pacientes.³ Desta forma, o profissional nutricionista deve utilizar de todas as ferramentas da dietética para que esse paciente consiga manter uma ingestão calórica e hídrica seguras.
Em casos mais graves, o uso de via alternativa de alimentação se faz necessário como forma final de compensação. Porém, embora os métodos de alimentação não oral ofereçam benefícios diretos em muitas situações clínicas, eles não beneficiam todos os pacientes idosos com disfagia, como por exemplo, pacientes com prognóstico reservado.3
Dessa forma, conclui-se que o diagnóstico e intervenções interdisciplinares precoces na disfagia podem garantir a recuperação e/ou gerenciamento do caso, de forma a minimizar os impactos no quadro clínico do paciente, permitindo assim que o idoso se mantenha no convívio familiar no horário das refeições.

Referências bibliográficas
1. Molina L, Santos-Ruiz S, Clavé P, González-de Paz L, Cabrera E. Nursing interventions in adult patients with oropharyngeal dysphagia: a systematic review. European Geriatric Medicine 2018; 9:5–21.
2. Marin S , Serra-Prat M , Ortega O , Clavé P. Cost of oropharyngeal dysphagia after stroke: protocol for a systematic review. BMJ Open 2018; 8:e 022775.doi:10.1136/bmjopen-2018-022775.
3. Sura L, Madhavan A , Carnaby G , Crary MA. Dysphagia in the elderly: management and nutritional considerations. Clinical Interventions in Aging 2012;7: 287–298.
4. Fávaro-Moreira NC , Krausch-Hofmann S , Matthys C , Vereecken C , Vanhauwaert E , Declercq A et al. Risk Factors for Malnutrition in Older Adults: A Systematic Review of the Literature Based on Longitudinal Data. American Society for Nutrition. Adv. Nutr 2016; 7:507–22.
5. Viganó C Patricia, Silva S Nilian, Cremonezi J Camila, Vannucchi P Guilherme, Campanelli M Marta. Variation in the energy and macronutrient contents of texture modified hospital diets. Rev. chil. nutr. [Internet]. 2011 Dic [citado 2019 Sep 03] ; 38( 4 ): 451-457. Disponible en: https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0717-75182011000400008&lng=es. http://dx.doi.org/ 10.4067/S0717-75182011000400008.
6. Mann T , Heuberger R , Wong H. The association between chewing and swallowing difficulties and nutritional status in older adults. Australian Dental Journal 2013; 58: 200–206.
7. Volkert D et al.ESPEN guideline on clinical nutrition and hydration in geriatrics. Clinical Nutrition; 2018.
8. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos Hospitalizados. Minha Editora; 2011.
9. Gaillard C , Alix E , Salle a , Berrut L , Ritz P .. Energy requirements in frail elderly people: A review of the literature. Clinical Nutrition and Metabolism. February 2007; 26 (1): 16–24.
10. Deutz NE , Bauer JM , Barazzoni R , Biolo G , Boirie Y , Bosy-Westphal A et al. Protein intake and exercise for optimal muscle function with aging: recommendations from the ESPEN Expert Group. Clin Nutr 2014; 33:929-36.
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