Com o aumento da expectativa de vida, há também o aumento de doenças crônicas que levam essa população a maior disfunção orgânica e maior dependência. Nesse contexto, pode surgir a necessidade da assistência de cuidado no âmbito domiciliar, que tem como maior objetivo prevenir agravos de saúde, garantir humanização no cuidado, racionalizar recursos e otimizar a disponibilidade de leitos hospitalares3. Dentre os agravos que podem ser prevenidos na assistência domiciliar, estão as quedas, as úlceras por pressão e as pneumonias comunitárias (PAC)4. A incidência das PACs na população idosa é alta e a prevalência de pneumonias aspirativas que levam à PAC varia de 5% a 24%5. Diretamente relacionada à pneumonia aspirativa, está a disfagia, definida como um distúrbio da deglutição, em que há entrada de conteúdo alimentar ou saliva na região de vias aéreas, abaixo das pregas vocais6. A disfagia é um importante fator de risco para o desenvolvimento de pneumonias aspirativas em idosos frágeis e sua prevalência na assistência domiciliar pode variar de 21% a 52% nesta população7. Dentre os fatores de risco que podem levar à disfagia estão:
- - idade avançada;
- - fragilidade e sarcopenia;
- - desnutrição;
- - presença de doenças neurodegenerativas;
- - doenças cardiovasculares;
- - doenças cerebrovasculares;
- - uso de medicamentos psicoativos;
- - câncer de cabeça e pescoço;
- - entre outros8.
Apesar da prevalência das pneumonias aspirativas na assistência domiciliar, a identificação da disfagia pode ser difícil, pois muitas vezes pacientes cuidadores e familiares não sabem identificar sinais sugestivos de alterações na deglutição, como tosse, pigarro e engasgos durante as refeições, emagrecimento, desidratação, pneumonias de repetição, entre outros. Um ponto de atenção é que grande parte dos acompanhantes consideram alguns desses sinais, como a presença de tosse ou pigarro durante a alimentação comuns ao processo de envelhecimento. Por esse motivo, é importante que a equipe multiprofissional que presta assistência a esses pacientes fique atenta e realize medidas de prevenção a fim de evitar maiores agravos à saúde, como a pneumonia.
Fluxograma
Com um serviço de assistência domiciliar caracterizado em sua maioria por pacientes idosos, com baixa funcionalidade e portadores de doenças crônicas, com alto risco de broncoaspiração, a equipe de fonoaudiologia em conjunto com toda a equipe multiprofissional da Assistência domiciliar do Hospital Vera Cruz (formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas), desenvolveram um fluxograma com foco em medidas de prevenção da pneumonia aspirativa no domicílio (Figura 1). O fluxograma propõe que os pacientes que estão na assistência domiciliar e que apresentem determinados fatores de risco para broncoaspiração, merecem maior atenção e medidas de prevenção de broncoaspiração, por parte da equipe assistencial.
Dentre os fatores de risco considerados estão:
- - doenças neurológicas;
- - cerebrovasculares;
- - cardiovasculares;
- - baixa funcionalidade e fragilidade;
- - desnutrição e sarcopenia;
- - pneumonias de repetição;
- - uso de dispositivos como sondas enterais e traqueostomia;
- - câncer de cabeça e pescoço;
- - uso de medicamentos psicoativos.
Ao iniciar o acompanhamento domiciliar, o paciente recebe os atendimentos da equipe multiprofissional que compõe a assistência a partir do encaminhamento médico que pode ser realizado de três formas:
- - Via hospitalar: Paciente está internado e durante o processo de desospitalização, a equipe multiprofissional define o planto terapêutico do paciente e o médico solicita as esquipes da assistência domiciliar que o paciente vai precisar.
- - Via ambulatorial: Paciente faz acompanhamento via ambulatório com seu médico de referência e por piora do quadro clínico e maior dependência, ele é encaminhado para o acompanhamento da equipe da assistência domiciliar, conforme necessidade.
- - Via domiciliar: O paciente já é acompanhado pelo médico da assistência domiciliar e conforme demanda ele é encaminhado para iniciar o acompanhamento com os demais integrantes da equipe.
a) Avaliação da assistência domiciliar
Ao ser encaminhado, o paciente é avaliado pela equipe de enfermagem e pelos demais profissionais da equipe multidisciplinar solicitados pelo encaminhamento médico. É importante reforçar que nem sempre o paciente domiciliar será acompanhado por todos os integrantes da equipe multiprofissional, o acompanhamento ocorre conforme as necessidades de cada paciente. Normalmente a primeira avaliação é realizada pela equipe de enfermagem que está ciente do risco de pneumonia aspirativa e sempre irá aplicar a triagem da deglutição para avaliar a presença ou não do risco de broncoaspiração para dar início às medidas de prevenção. Caso a equipe de enfermagem identifique o risco, a equipe sugere ao médico de referência que solicite avaliação fonoaudiológica.
b) Triagem da deglutição
Na primeira avaliação é orientado que seja perguntado ao paciente ou seus acompanhantes as seguintes questões:
- - Tem queixa de tosse ou engasgo durante as refeições?
- - Tem queixa de tosse ou engasgo com a saliva?
- - Apresenta escape de saliva ou alimento pela cavidade oral?
- - Demora para se alimentar?
- - Após se alimentar, tem acúmulo de resíduo na cavidade oral?
- - Apresentou aumento de secreção ou alguma infecção pulmonar nos últimos 6 meses?
Na presença de pelo menos uma resposta afirmativa, as medidas de prevenção emergenciais devem ser tomadas até a avaliação fonoaudiológica. O médico de referência do paciente deve ser informado e deve solicitar a avaliação fonoaudiológica. Caso o paciente não tenha risco no momento da avaliação, recomenda-se que esse paciente permaneça em gerenciamento e que eventualmente essa triagem seja realizada novamente uma vez que trata-se de pacientes com doenças crônicas que podem evoluir com piora clínica.
c) Medidas de prevenção até a avaliação fonoaudiológica
Até que a avaliação fonoaudiológica seja realizada, recomenda-se que o profissional que identificou o risco oriente o paciente e seus acompanhantes. Em casos de dieta via oral liberada, dar preferência por alimentos na consistência pastosa, sem resíduos e ingerir líquidos com espessante, sendo utilizada no serviço como padrão, a consistência mel9 ou a consistência moderadamente espessada10. Para os casos de via alternativa de alimentação, o profissional deve reforçar o uso exclusivo da dieta enteral e aguardar a avaliação fonoaudiológica para verificar a indicação de oferta de dieta via oral.
d) Avaliação fonoaudiológica
Após o encaminhamento, a equipe de fonoaudiologia tem 48 horas para realizar a avaliação fonoaudiológica e, após a avaliação são definidas condutas mais específicas para a prevenção da pneumonia aspirativa, dentre elas:
- - Adaptação de dieta e restrição de consistências de maior risco;
- - Orientações específicas ao paciente e acompanhantes;
- - Suspensão de dieta via oral e orientação de uso de via alternativa de alimentação, quando necessário e conforme discutido em conjunto com demais integranteli a equipe multiprofissional;
- - Estratégias de reabilitação para maximizar ou prevenir (na medida do possível) agravos relacionados à deglutição.
Figura 1. Organograma de prevenção de broncoaspiração e avaliação fonoaudiológica

Para os casos de pacientes com dieta enteral, medidas de prevenção de broncoaspiração também devem ser tomadas como posicionamento do paciente durante e após a administração da dieta enteral, controle do volume e tempo de passagem de dieta, conforme a figura 2.
Figura 2. Organograma de prevenção da broncoaspiração na dieta enteral

Para os casos em que as medidas de prevenção foram tomadas mas houve broncoaspiração, medidas de mitigação são tomadas conforme figura 3.
Figura 3. Organograma de mitigação da broncoaspiração

O sucesso das medidas de prevenção depende da ciência de todos os riscos envolvidos na broncoaspiração, práticas constantes das medidas de prevenção e comunicação eficaz entre os integrantes da equipe multidisciplinar. As falhas de comunicação no ambiente domiciliar são potencializadas e para garantir que elas não ocorram, algumas medidas são descritas na figura 4.
Figura 4. Diagrama de comunicação eficaz da equipe multidisciplinar na assistência domiciliar

De acordo com a figura 4 os integrantes da equipe multiprofissional conversam entre si em reuniões presenciais a fim de definir condutas e plano terapêutico e em casos mais emergenciais, é estimulado o contato constante e contínuo entre eles para garantir a melhor assistência ao paciente.
Conclusão:
As ações apresentadas são uma proposta de prevenção do risco de pneumonia aspirativa e foram desenhados conforme o perfil e necessidades do serviço. Eles objetivam nortear a equipe multiprofissional quanto às práticas de prevenção das pneumonias aspirativas na assistência domiciliar e motivar a comunicação entre os integrantes da equipe, que em muitos serviços ainda têm a dificuldade de se reunirem e discutirem o plano terapêutico e as condutas ideais para cada paciente. Essa dificuldade favorece a ocorrência de eventos adversos e sobrecarrega o serviço domiciliar uma vez que a falta de comunicação não permite a prática de condutas integradas. Vale ressaltar, que não se trata da implementação de um protocolo de prevenção e gerenciamento da broncoaspiração como é feito na assistência hospitalar. No âmbito domiciliar, essa implementação é delicada, porque no domicílio existem diversas variáveis de difícil controle, como cuidadores e acompanhantes, com diferentes conhecimentos e experiências com relação ao cuidado, estruturas físicas e dinâmicas familiares diversas. No entanto, a busca ativa por fatores de risco e a tomada de condutas de prevenção são fundamentais para a manutenção da qualidade de vida do paciente, controle de morbidades, na medida do possível e prevenção de reinternação. Esses pontos mostram a eficácia da atuação da equipe.
Referências bibliográficas
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2. IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfi ca. Projeção da população do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade para o período 2010-2060.
3. Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP). Manual de Atenção Domiciliar. 2016; 1: 16-19.
4. Chong CP, Street PR. Pneumonia in the elderly: a review of severity assessment, prognosis, mortality, prevention, and treatment. South Med J. 2008; 101, 1134–1140.
5. Reza SM, Huang JQ, Marrie TJ. Differences in the features of aspiration pneumonia according to site of acquisition: Community or continuing care facility. J Am Geriatr Soc. 2006;54.
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7. Van der Maarel-Wierink CD, Vanobbergen JN, Bronkhorst EM, Schols JM, Baat C. (2011). Risk factors for aspiration pneumonia in frail older people: A systematic literature review. Journal of the American Medical Directors Association.2010; 12, 344-354.
8. Van der Maarel-Wierink, CD, Meijers, JM, De Visschere, LM, de Baat, C, Halfens, RJ e Schols, JM. (2014). Subjective dysphagia in older care home residents: A cross-sectional, multi-centre point prevalence measurement. International Journal of Nursing Studies. 2013; 51, 875-881.
9. Heiss CJ, Goldberg L, Dzarnoski M. Registered dietitians and speech-language pathologists: An important partnership in dysphagia management. Journal of the American Dietetic Association. 2010; 110(9), 1290- 1293.
10. Cichero JAY, Lam P, Steele CM, Hanson B, ChenJ, Dantas RO et al. Development of international terminology and defi nitions for texture-modifi ed foods and thickened fl uids used in dysphagia management: the IDDSI framework. Dysphagia. 2017;32(2):293-314.
11. Rama CG. Tradução para o português “Diagrama IDDSI Método de teste, 2016”. https://iddsi.org/wp-content/uploads/2017/07/ Portuguese-IDDSI-Testing-Methods.pdf. Acessado em 17/07/2019.”
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